MundoBola Flamengo
·17 April 2025
Cobrar caro nos ingressos do Flamengo é impedir a população de ter acesso à arte

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·17 April 2025
Um processo mental muito comum, que opera até como mecanismo de autopreservação da nossa cabeça, é naturalizar fenômenos extremamente complexos ou chocantes pra gente não ter que ficar se impressionando ou se chocar com eles toda hora, todo dia.
Uma caixa metálica pesando toneladas ser capaz de levantar voo é um triunfo científico e técnico absurdo, mas a gente apenas reclama que o avião fica mudando de portão toda hora. Uma pessoa ser capaz de fabricar outro ser humano com o próprio corpo é um milagre biológico, mas você apenas comenta que sua prima ficou grávida outra vez. Seis caras de um bairro da Zona Sul do Rio decidirem dar uma remada pra impressionar umas gatinhas e criarem um dos maiores clubes do futebol mundial é uma absoluta improbabilidade matemática, mas a gente só sorri, diz “vai pra cima deles, Mengo”.
Porque não existe nada de normal ou provável em como o Flamengo nasceu e muito menos na proporção que ele tomou. O que começou com uma mal-sucedida - o barco chegou a virar na travessia do Caju ao Flamengo - primeira experiência na formação de um clube de remo se tornar o mais popular clube de futebol de um país onde o futebol é o esporte mais popular? Isso é um fenômeno, um absurdo, uma quase impossibilidade. Mas foi isso que aconteceu.
O Flamengo se tornou popular. Improvavelmente popular. Absurdamente popular. O que antes eram seis jovens remadores se tornou uma cidade, que ganhou um estado, que ganhou um país que aí se tornou uma nação. Em nome, em números, em sentimento. Numa paixão que é igual pra quem pega cinco minutos de metrô pra ir ao Maracanã, pra quem nunca pisou no Rio de Janeiro, pra quem precisa assistir aos jogos de madrugada por conta do fuso-horário.
O clube de remo dos jovens da Zona Sul hoje é o clube de futebol - e também de basquete, de vôlei, de esportes virtuais, sem deixar de ser clube de remo - de gente de todas as idades, em todos os lugares do mundo, milhões de pessoas de todas as cores, crenças, orientações sexuais e condições financeiras. E se ele chegou a esse ponto, se ele construiu essa história, se ele realizou essa jornada improvável, são duas as razões.
Uma é a imensidão dessa torcida. Ela que empurra, ela que carrega, ela que lota estádios, ela que leva essas cores até os confins da Terra, até lugares onde aqueles seis jovens nunca imaginaram que poderiam chegar remando. E a outra são os craques, são os jogadores, são esses seres humanos de talento também improvável, que realizam ações também quase impossíveis, que contam em segundos, com seus pés, histórias tão absurdas e complexas quanto a desse clube.
Então nada é mais errado, mais absurdo, mais oposto ao Flamengo, do que manter essa torcida longe desses jogadores. Impedir a criança de ver Arrascaeta colocando mais um jogo debaixo do braço, não deixar a família assistir Pedro voltando a marcar no Maracanã, e tudo isso porque uma diretoria gananciosa acredita que é melhor manter setores vazios do que cobrar menos num ingresso, é possivelmente a coisa menos flamenguista que alguém no comando do Flamengo pode fazer.
Porque numa noite como a desta quarta-feira, em que a improvável equipe do improvável treinador Filipe Luís decidiu que não iria jogar futebol, mas sim dar espetáculo, a única coisa que faltou pra festa ser completa foi um estádio lotado. E não podemos normalizar a ideia de ter, no comando do clube mais popular do Brasil, gente que pensa diferente disso.