
Central do Timão
·19 April 2025
Corinthians entrega contas de 2024 com recorde de receitas e aumento da dívida; auditoria faz alerta

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·19 April 2025
Na última sexta-feira, 18, a diretoria do Corinthians entregou ao Conselho de Orientação (CORI) os demonstrativos financeiros referentes ao exercício de 2024. Embora tenha descumprido três prazos previamente acordados com o órgão (31 de março, 14 de abril e 17 de abril), a gestão realizou a entrega a tempo de permitir a análise dos números antes da reunião do Conselho Deliberativo (CD), marcada para o próximo dia 28.
Com 57 páginas, o documento inclui também o relatório da empresa de auditoria e consultoria GF Brasil, que assumiu essa função no ano passado, substituindo a RSM. Em resumo, o balanço de 2024 do Corinthians indica um aumento nas receitas, que atingiram nível recorde, e também no endividamento do clube, o que levou a auditoria a emitir um alerta sobre a capacidade operacional da instituição no futuro.
Foto: José Manoel Idalgo/Agência Corinthians
A Central do Timão teve acesso ao documento na íntegra e detalha, a seguir, os pontos mais importantes da prestação de contas do Alvinegro e também do relatório da auditoria da GF Brasil:
Aumenta o peso da venda de atletas
Em 2024, o clube registrou uma receita bruta de R$ 1,115 bilhão, renovando o recorde no quesito, que já havia sido superado nos dois anos anteriores — R$ 779,1 milhões em 2022 e R$ 936,7 milhões em 2023. O valor também representa um aumento de 19% em relação à estimativa de R$ 935,4 milhões prevista no orçamento revisado, apresentado pela gestão em março do ano passado.
Boa parte dessa diferença se deve aos resultados obtidos com a venda de atletas. Enquanto o orçamento revisado previa uma arrecadação de R$ 174 milhões com direitos federativos, o clube fechou o ano com R$ 338,4 milhões, quase o dobro do estimado. O valor também representa um crescimento de 35% em relação ao montante registrado em 2023, que foi de R$ 251 milhões.
A consequência desse resultado é que o peso das vendas de atletas nas receitas totais do Corinthians aumentou de um ano para outro. Em 2023, elas representaram 26,8% do total arrecadado, índice que a diretoria planejava reduzir para 18,6% no orçamento revisado mas que acabou aumentando para 30,3% no resultado final.
Receitas recorrentes: direitos de TV e patrocínios
A intenção da gestão de reduzir o peso dessa receita sobre o total se explica pelo fato de vendas de atletas serem consideradas “receitas eventuais”, ou seja, que acontecem de forma esporádica, com menor nível de previsão e garantia. Do ponto de vista financeiro, são mais desejáveis as chamadas “receitas recorrentes”, provenientes de fontes mais regulares e previsíveis, como patrocínios e direitos de transmissão.
Segundo o clube, estas receitas recorrentes também apresentaram crescimento em 2024, alcançando R$ 776,5 milhões. O valor representa um aumento de 13% em relação aos R$ 685,7 milhões registrados em 2023 e ficou próximo da projeção feita no orçamento revisado, que estimava R$ 761,4 milhões.
As maiores receitas deste tipo foram os direitos de transmissão: R$ 295,1 milhões. Apesar de expressivo, o valor ficou ligeiramente abaixo tanto da previsão do orçamento revisado (R$ 313 milhões) quanto do montante registrado em 2023 (R$ 307 milhões). Na sequência, destacam-se os R$ 264,5 milhões arrecadados com patrocínios, praticamente o que fora previsto no orçamento revisado (R$ 263,2 milhões), mas muito superior ao obtido pelo clube em 2023 (R$ 128,6 milhões).
Receitas do clube em 2023 e 2024 (Apresentação do balanço 2024 / Corinthians)
Receitas recorrentes: bilheteria, marca e outros
A receita com bilheteria dos jogos do Corinthians na Neo Química Arena também apresentou crescimento em 2024, alcançando R$ 94,1 milhões. O valor superou tanto os R$ 91,1 milhões arrecadados em 2023 quanto a projeção da gestão no orçamento revisado, que estimava uma receita de R$ 92,1 milhões com ingressos.
Outra receita que surpreendeu foi a das contribuições dos associados. Em 2023, o clube arrecadou R$ 25,4 milhões com os sócios, e a diretoria havia projetado uma receita de apenas R$ 18,1 milhões no orçamento revisado. No entanto, ao final de 2024, a arrecadação alcançou R$ 27 milhões, contribuindo positivamente para as finanças do clube social.
Por outro lado, houve uma queda no total arrecadado com outras receitas, que englobam premiações, Fiel Torcedor, loterias, licenciamento e franquias. Em 2023, esse montante atingiu R$ 133,6 milhões, mas no ano passado, a arrecadação nesses segmentos não passou de R$ 95,8 milhões.
Despesas aumentam
Ao mesmo tempo em que as receitas registraram um novo recorde, as despesas também aumentaram em 2024. Apenas com as despesas de pessoal, por exemplo, o clube gastou R$ 428,7 milhões no ano passado. Esse valor superou tanto a previsão do orçamento revisado (R$ 410,1 milhões) quanto o gasto com o mesmo item em 2023 (R$ 398,3 milhões).
Outras despesas, como serviços de terceiros, custos gerais e administrativos, além dos gastos com as modalidades esportivas (futebol e amadoras), também aumentaram. No total, essas despesas somaram R$ 287 milhões, superando consideravelmente tanto a previsão do orçamento revisado (R$ 235,8 milhões) quanto o valor registrado em 2023 (R$ 228,6 milhões).
No total, os custos e despesas operacionais do Corinthians em 2024 somaram R$ 715,7 milhões. Esse montante supera em 11% a previsão do orçamento revisado, que estimava gastos de R$ 645,9 milhões, e também é 14% maior do que o valor registrado na temporada anterior, quando os custos ficaram em R$ 626,9 milhões.
Vale lembrar que neste cálculo não estão inclusos os valores registrados no demonstrativo financeiro sob as categorias “Custo com vendas e aquisição de atletas” e “Depreciação e amortização de direitos”. Juntas, essas duas linhas do balanço totalizaram R$ 156,6 milhões em despesas no ano passado.
Salto no EBITDA
Consideradas as receitas e despesas, é possível calcular o EBITDA do exercício. A sigla significa “Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation, and Amortization”, que pode ser traduzido como “Lucros Antes de Juros, Impostos, Depreciação e Amortização”, e é uma das métricas contábeis mais tradicionais para avaliar os resultados financeiros de uma empresa.
Para calcular o índice, alguns passos são necessários. Primeiro, calcula-se as receitas operacionais do exercício, bastando descontar das receitas brutas as deduções (impostos) e os gastos com repasses de direitos federativos. Do resultado, exclui-se também os custos e despesas operacionais registrados. O resultado é o EBITDA.
Graças ao aumento das receitas em proporção superior ao aumento das despesas, o Corinthians melhorou seu desempenho nesta métrica. Em 2023, o EBITDA registrado foi de R$ 204,4 milhões. Já no orçamento revisado, o clube pretendia chegar aos R$ 205,8 milhões. No entanto, o resultado obtido em 2024 foi de R$ 292,8 milhões (43% a mais que no ano anterior). Veja gráfico:
Evolução do EBITDA ( Apresentação do balanço 2024 / Corinthians)
“Contingências” impactam no endividamento
A maior polêmica das contas entregues pelo Corinthians, porém, está na apresentação do endividamento. O clube afirmou que “reconheceu” um total de R$ 191,3 milhões em dívidas e contingências que seriam, segundo a gestão, relativas a fatos anteriores a 2024. Eram esses “ajustes” a que o clube e o diretor financeiro Pedro Silveira se referiam, nas últimas semanas, para justificar o atraso na entrega do balanço ao CORI.
Desse total, R$ 76 milhões seriam referentes a multas e juros sobre o Programa de Parcelamento Incentivado (PPI) firmado junto à Prefeitura de São Paulo para quitar uma dívida de Imposto sobre Serviços (ISS). Em nota explicativa anexa ao balanço, o clube diz ter reconhecido essa dívida em junho de 2024.
Outros R$ 30,2 milhões seriam relativos a um ajuste no cálculo dos juros do Profut, programa de parcelamento de dívidas com a União. Segundo o documento, a memória de cálculo desses juros estava errada até 2023, e sua correção teria gerado um acréscimo no valor da dívida do clube.
Por fim, outros R$ 85,1 milhões seriam relativos a processos judiciais em geral, nos quais ou o clube afirma que reconheceu possíveis perdas não citadas no balanço de 2023, ou atualizou o risco de derrota nas causas, ou apenas fez atualizações monetárias das possíveis dívidas. Tais processos incluem ações nas esferas cível, trabalhista e tributária, assim como demandas tramitando no CAS-FIFA.
Estes R$ 191,3 milhões foram adicionados pelo Corinthians ao balanço de 2023, que passou a registrar um endividamento bruto de R$ 2,161 bilhões e líquido de R$ 1,781 bilhão. Ainda assim, estes números aumentaram em 2024. Segundo a gestão, o clube fechou 2024 com dívida bruta de R$ 2,568 bilhões (19% a mais) e líquida de R$ 1,869 bilhão (5% a mais).
A medida permitiu, ainda, que os índices de endividamento do clube melhorassem. Graças aos números apresentados, foi possível manter a tendência de queda no índice de endividamento em relação à receita bruta (foto abaixo). Esse índice, que era de 3,2 em 2020, vem sendo reduzido ano a ano, chegando em 1,7 em 2024. Ou seja: para cada R$ 1 de receita bruta, o Corinthians declarou uma dívida líquida de R$ 1,70.
Evolução do endividamento sobre a receita bruta (Apresentação do balanço 2024 / Corinthians)
Outro índice de endividamento citado no documento é o que coloca a dívida líquida em perspectiva diante do EBITDA do clube. Neste caso, a redução registrada foi de 8,7 em 2023 para 6,4 em 2024. Ou seja: o clube reconheceu possuir R$ 6,40 em dívida líquida para cada R$ 1 de seu EBITDA aferido.
Vale citar, por fim, o alto gasto do clube com despesas financeiras, devido ao crescente endividamento, atualizado em boa medida pelos índices da taxa básica de juros do Brasil, a Selic, que fechou 2024 em 12,25% ao ano. Com isso, nada menos que R$ 279,1 milhões saíram dos cofres apenas para pagar os juros da dívida alvinegra.
Ressalvas no endividamento
Duas observações adicionais são feitas pela diretoria no documento que apresenta os números do balanço de 2024. A primeira diz respeito a R$ 150 milhões do endividamento, valor referente a uma captação realizada junto à XP Investimentos, recebida como antecipação pela assinatura do acordo com a Liga Forte União (LFU). Por esse motivo, o clube opta por não considerar esse montante como parte da dívida total, reconhecendo, assim, uma “dívida gerencial” de R$ 2,418 bilhões (foto abaixo).
Além disso, o valor da dívida bruta considera, em seu cálculo, as doações realizadas pela torcida por meio do projeto Doe Arena Corinthians. O clube dedica uma nota explicativa no balanço para detalhar que a campanha arrecadou R$ 34,2 milhões por meio de quase 800 mil doações individuais. Essa quantia é utilizada pelo Corinthians para, em suas próprias contas, reduzir o valor da dívida com a Caixa Econômica Federal de R$ 704 milhões para R$ 668 milhões.
Tal medida, porém, é controversa: na apresentação do orçamento para 2025, a diretoria já havia incluído projeções de arrecadação da campanha, estipulando cenários para o endividamento do clube conforme o resultado do projeto. Essas projeções tiveram que ser retiradas da peça orçamentária após alerta do CORI de que as doações dos torcedores não poderiam ser consideradas uma receita do clube pela gestão e, portanto, não podiam ser mencionadas no orçamento.
Evolução do endividamento bruto durante 2024 (Apresentação do balanço / Corinthians)
Conclusão da gestão e próximos passos
O balanço entregue pela diretoria sustenta que o resultado financeiro de 2024 do Corinthians foi positivo em R$ 9,5 milhões, mas que os “ajustes de contingência” supostamente provocados por omissões da gestão anterior fizeram com que o resultado ficasse, na verdade, negativo em R$ 181,8 milhões.
Além disso, a GF Brasil fez ressalvas aos números apresentados pelo clube. A auditoria afirmou que os dados apontam para uma “incerteza relevante” sobre a real “capacidade de continuidade operacional” do Corinthians, criticando ainda a ausência de informações consolidadas sobre o FII Arena, fundo que gere a Neo Química Arena. A empresa alerta que a prática fere a norma 36 do CPC da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e que, se tivesse recebido tais números, suas conclusões poderiam ter sido afetadas.
Além disso, a divulgação antecipada de dados preliminares do balanço pela mídia provocou reações nos bastidores do Parque São Jorge. Wesley Melo, ex-diretor financeiro do clube, publicou uma nota criticando os números apresentados pela gestão de Augusto Melo. Segundo ele, a atual diretoria estaria realizando “manobras para mascarar o estouro do orçamento”. Wesley também afirmou que irá formalizar questionamentos sobre os resultados entregues ao Conselho de Orientação (CORI):
“As demonstrações apresentadas pela gestão atual e suas supostas conclusões exigem uma análise técnica, à luz da legislação contábil, o que demanda tempo e, principalmente, relatórios e documentos a que precisamos ter acesso – o que já foi requerido. Manifestamos ainda nossa plena confiança nos processos auditados e aprovados dos balanços anteriores em todos os órgãos competentes. Não vamos tolerar manobras que tentem mascarar o evidente estouro de orçamento, visível a olho nu, ao qual nem o Cori, com maioria de membros eleitos pela atual gestão, tem sucesso em analisar dentro dos prazos. A entrevista do Diretor Financeiro publicada no GE falando dos números, antes mesmo de os órgãos competentes do clube terem acesso aos dados, também demonstra que a gestão continua disposta a ignorar procedimentos a fim de sustentar narrativas unilaterais e, como vimos no passado, incorretas.”
O CORI, por sua vez, deverá convocar uma reunião para analisar os números e emitir um parecer técnico antes da próxima sessão do Conselho Deliberativo, marcada para o dia 28, cuja pauta será a aprovação ou reprovação das contas de 2024. Uma eventual reprovação pode trazer consequências graves para a atual gestão, incluindo a possibilidade de afastamento do presidente Augusto Melo de suas funções, conforme previsto no estatuto do clube.
Nota da redação: os números relativos ao orçamento revisado de 2024 citados nesta matéria foram extraídos do documento sobre o tema, disponível no site do Corinthians
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