
Gazeta Esportiva.com
·22 aprile 2025
Delegado sugere arquivar inquérito, mas reconhece indícios de cambismo no Corinthians; MP avalia decisão

In partnership with
Yahoo sportsGazeta Esportiva.com
·22 aprile 2025
O delegado Marcel Madruga, responsável pela condução do Inquérito Policial que apurou a suspeita de uma eventual facilitação e participação de dirigentes e funcionários do Corinthians no repasse ou na venda combinada de ingressos com grupos de cambistas, trabalho feito pela 4ª Delegacia de Polícia de Lavagem e Ocultação de Ativos Ilícitos por Meios Eletrônicos (DCCIBER-DEIC), sugeriu ao Ministério Público, na semana passada, o arquivamento do processo por entender que não houve comprovação de crimes cibernéticos, e sim indícios de irregularidades que devem ser averiguados pelos órgãos internos do clube, como o Conselho Deliberativo, por exemplo. O MP, por ora, não apreciou o caso, sendo assim, ainda não há uma definição sobre o desfecho da investigação.
“Não se verificaram indícios técnicos ou materiais capazes de demonstrar a ocorrência de invasão ou violação cibernética no sistema oficial responsável pela emissão dos ingressos do programa ‘Fiel Torcedor'”, diz trecho da conclusão de 15 páginas do delegado, o qual a Gazeta Esportiva teve acesso e cópia.
A OneFan, empresa que controla, gere os dados e concede todo o suporte tecnológico do programa Fiel Torcedor, tem sido pressionada pela diretoria corintiana desde que Augusto Melo assumiu o poder e, por isso, celebrou a manifestação da autoridade pública como uma espécie de alívio.
“Sobre a decisão da Polícia Civil, a OneFan se contenta com o resultado da investigação, que comprovou não haver desvio de ingressos por meio de fraude tecnológica do sistema, atestando a qualidade técnica da operação. Temos certeza de que o desfecho só fortalece a confiança entre Corinthians e OneFan – tanto no ticketing quanto no Fiel Torcedor, numa parceria em funcionamento ininterrupto que soma 137 eventos desde 2023, dos quais 54 foram partidas da equipe masculina de futebol profissional na Neo Química Arena”, escreveu a empresa em nota à reportagem.
INDÍCIOS DE CAMBISMO
Por outro lado, o delegado Marcel Madruga concluiu que há, entre outros casos, a emissão manual de ingressos, pagos ou mesmo de cortesias, feita por funcionários autorizados pela diretoria, através de logins corporativos próprios e credenciados para essa finalidade. E que o modelo e os critérios de distribuição e destinação interna dos ingressos são definidos, exclusivamente, pela diretoria do clube.
A coordenadora de atendimento do programa Fiel Torcedor, Gabriela Rosa, foi uma das pessoas ouvidas na condição de testemunha. Subordinada a Lúcio Blanco, gerente geral da Neo Química Arena, ela relatou à Polícia que “há, aproximadamente, um ano começou a perceber e receber recomendações para realizar trabalhos contrários às regras e normas estabelecidas, sendo hostilizada e destratada por não concordar com tais ordens”. A situação levou a funcionária a registrar um Boletim de Ocorrência e se afastar sob alegação de assédio moral.
Gabriela Rosa, conforme dito em oitiva, identificou desvios nos ingressos provenientes do login “Arrecadação Vendas” e garantiu ter reportado as irregularidades a Marcelo Mariano, então diretor administrativo, e Lúcio Blanco, que não tomaram providências efetivas, segundo relatório do delegado.
PRIMO DE DUÍLIO
Outra ex-funcionária ouvida pela Polícia, Maria de Fátima Chantre Inácio, assessora de Augusto Melo em 2024, declarou que Fernando Monteiro Alves tinha acesso a diversos logins de conselheiros vitalícios e fazia uso para emitir ingressos. Ela contou, também, que há conversas no WhatsApp que provam que o próprio presidente Augusto Melo enviava ingressos, com QR-Code, para Fernando Monteiro Alves distribuir. Maria confessou, inclusive, ter vendido cinco ingressos a Fernando para o jogo entre Corinthians e Flamengo, com a intenção de complementar a renda dela.
A Gazeta Esportiva teve acesso a listas de ingressos de jogos do Corinthians que comprovam compras de Fernando Monteiro Alves até mesmo para o setor do Plano Minha Cadeira, que fica na Oeste Inferior, onde, em tese, o clube deveria atender aos que pretendem assinar o plano e que, atualmente, não conseguem sob a justificativa de esgotamento dos espaços.
A reportagem procurou por Duilio Monteiro Alves para entender o envolvimento e o conhecimento do ex-presidente sobre as ações de seu primo junto a diretoria de Augusto Melo.
“No início de março obtivemos informações que Fernando estava muito próximo e participando da gestão do Augusto, citando o nome da minha família e lidando com assuntos do clube e com ingressos. Apuramos a possibilidade dos fatos serem verdadeiros e em 27 de março, meu irmão, Adriano, como Conselheiro, formalizou por ofício ao presidente da Comissão de Ética, um pedido de averiguação, alertando sobre os riscos que esse indivíduo poderia trazer à instituição, mas pedindo sigilo, que no momento nos vimos obrigados a expor”, respondeu Duilio, em nota à Gazeta.
“Em 2 de abril, pedimos um posicionamento ao presidente da Ética, Roberson Medeiros, que, gentilmente, respondeu nos solicitando um pouco mais de paciência, pois, segundo ele, todos os processos da Ética estavam sendo “desaguados”, mas que iriam certamente nos dar retorno sobre esse caso, diante da gravidade do que foi explicado. Seguimos no aguardo desse posicionamento aos pedidos realizados no ofício. Esclarecemos, por fim, para evitar qualquer exploração política, que o referido indivíduo, apesar de parente, jamais fez parte da minha gestão e não faz parte de nosso círculo de relacionamento pessoal”, concluiu Duilio.
Roberson de Medeiros, presidente da Comissão de Ética do clube e vice-presidente do Conselho Deliberativo, não respondeu ao pedido de manifestação e esclarecimento feito pela reportagem.
Ricardo Okabe, outro ex-funcionário ouvido pela Polícia, relatou, segundo o delegado, ter identificado diversos logins, controlados pela diretoria, que forneciam quantidades de ingressos a pessoas específicas. Ele informou às autoridades que a variação na distribuição dos ingressos é definida pela diretoria, conforme a relevância da partida, privilegiando cortesias em detrimento do sistema Fiel Torcedor. Esclareceu que os ingressos destinados a cortesias não são nominativos, com o nome do departamento sendo a única identificação, diferentemente dos ingressos do Fiel Torcedor, que são nominativos, mas irregularmente revendidos.
PRÓXIMO PASSO
A sugestão de arquivamento do delegado ainda não foi apreciada. O Ministério Público pode concordar em arquivar o caso ou ordenar que as investigações continuem. Neste eventual cenário, a tendência é de outra delegacia e, portanto, um novo delegado assuma as apurações. Uma terceira opção do MP é oferecer, diretamente, uma denúncia à Justiça com base no que já foi colhido.
Vinicius Cascone, diretor jurídico do Corinthians, a pedido da Gazeta, comentou a decisão e o relatório do delegado Marcel Madruga.
“O relatório da Polícia Civil concluiu a não ocorrência de crimes e de qualquer prática ilegal por parte do Corinthians e de seus dirigentes, o que motivou o arquivamento do inquérito policial. Por outro lado, o arquivamento não significa que não esteja ocorrendo a prática de cambismo, haja vista que tal conduta culturalmente está presente em nossa sociedade, em todos os eventos esportivos ou culturais nos quais existe grande demanda dos espectadores.
O Corinthians reafirma que continuará adotando todas as medidas necessárias para combater o cambismo, inclusive solicitando que as autoridades policiais promovam ações ostensivas contra aqueles que vendem ingressos nos arredores da Neo Química Arena.
Não obstante, o Corinthians continuará identificando as eventuais vendas de ingressos realizadas por terceiros nas redes sociais, e tomará as medidas cabíveis para coibir a referida atuação.
Além disso, a implementação do reconhecimento facial para acesso à Neo Química Arena também auxiliará no combate ao cambismo.
Por fim, continuamos solicitando o apoio dos torcedores para que denunciem a venda de ingressos por terceiros por meio do endereço eletrônico ingressolegal@sccorinthians.com.br“.
Leonardo Pantaleão, ex-diretor jurídico de Augusto Melo e, atualmente, presidente da Comissão de Justiça do Conselho Deliberativo, também foi ouvido pela reportagem e destacou uma interpretação diferente.
“É fundamental esclarecer que a autoridade policial não descartou a ocorrência de desvios nem afirmou que não houve crime. O que ela reconheceu é que aquela Delegacia, por ser especializada em crimes cibernéticos, não tem atribuição para prosseguir com a investigação. O Delegado de Polícia foi claro ao afirmar que não houve qualquer invasão externa no sistema do programa Fiel Torcedor. Ou seja, a Polícia Civil afastou a hipótese de ataque cibernético e, ao mesmo tempo, reconheceu que houve repasses indevidos de ingressos.
Essa combinação de conclusões leva a uma constatação gravíssima: os desvios ocorreram de dentro para fora. Foram praticados por pessoas com acesso regular ao sistema do clube. O desvio é interno. E isso precisa ser apurado com o máximo rigor“.